capítulo 2: “SOME, GAROTA”

Publicado: 10 julho 2010 em Uma História Tóxica

Muitos devem pensar que eu sou um bêbado trash que arrumou umas aulinhas para dar à noite e que vive num universo paralelo de baratos marijuanos, baratas kafknianas e frustrações emocionais. Que pensem. É bom fazer esse tipo. Quando eu jogo pôquer eu gosto de ser meio Caetano Veloso: que pensem que eu sou um blefador. Ou não. Ou mais ou menos.

Você vai quebrar a cara muitas vezes comigo. Por isso, não precisa ficar adivinhando muito: eu vou contar, pelo menos o que eu achar que você suporta ouvir. E olha que vai ser muito mais do que já contei pra qualquer outra pessoa e, provavelmente vou errar na dose e contar um pouco mais do que você suporta. Passar do ponto é a minha boa ação aos profissionais da mente. Depois te dou uns telefones de algumas psicoterapeutas. A coisa é toda… muito interessante, digamos. Um processo muito interessante.

Eu tenho um amigo que sempre foi gago, nunca conseguiu melhorar, mas tinha uma verdadeira obsessão por comer fonoaudiólogas. Pronto, já estou me perdendo. Não era nada disso.

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Se eu estivesse atrás de reações normais e esperadas eu preencheria um formulário e iria a uma repartição pública. Eu nunca tive o menor arrependimento ou problema em ter mandado ela embora daquele jeito, naquela tarde, depois daquele duelo… excitante. No dia seguinte ela mandou um SMS dizendo a hora em que chegaria na minha casa. Desse jeito. Ela foi pra casa e nada foi comentado sobre o dia anterior. A minha lógica e a lógica desse relacionamento não é necessariamente a lógica dos outros.

Quando eu disse “Some garota. Você já me encheu o saco” eu só estava querendo dizer pra ela sumir porque ela já tinha me enchido o saco. Quem quiser que dê outras interpretações. Pelo menos eu e ela entendemos bem a extensão do meu comentário. Comentário não, ordem. Pedido, pra quem achar mais elegante.

“Me dá outro nome”. Coisa esquisita de se ouvir. Eu fiquei olhando pra ela. Ela entrou em casa, veio pra perto de mim e soltou essa. Na hora eu também não entendi nada. Ela insistiu e repetiu. “Do que você tá falando?” “Do meu nome… do meu nome de puta… eu não gosto dele. Dá um nome pra mim, por favor”. Aquilo era, no mínimo, um pedido incomum. “Eu gosto do teu nome… e gosto de puta também.” Eu ri. Ela não parava de me olhar. “É sério, quero outro nome”.

Vamos resumir, porque esse diálogo foi bem longo. E fascinante. Ela era boa na argumentação e estava odiando o meu sorriso não disfarçado durante a conversa. Lembra do tigre mal domado? Então. “Vou pensar num nome; quando achar um eu te falo”. Agora um tigre mal domado contentinho e envergonhado. Bom, nessa hora ela estava mais pra tigre de sucrilhos mesmo; todo mundo tem seus defeitos.

O que fazer num domingo à tarde com essa mulher tão disponível, tão bonita, tão minha? Era a hora, o dia, o clima perfeito para fazer amor. Rapidamente nos livramos das roupas, e, principalmente, da ideia boba e nunca mencionada de “fazer amor” e partimos para o mais sensato e razoável: foder. Ela ainda chegou a tentar: “Desculpe por ont…”. Tampei a boca dela, tente imaginar como. Ela entendeu.

Eu já percebi que muita gente tem verdadeiro horror a esse verbo: foder. Se não chega a ter horror, pelo menos tem um melindre. Eu reconheço que para a maioria das pessoas a questão é só semântica mesmo, mas para alguns, e não são poucos, é um fator limitante. Pensa bem: fazer amor é bonito, poético, doce, macio. Complete com outros adjetivos morninhos. Canja de galinha também é bom, e poesia do Bilac idem (discorde, por favor). Mas, deus, dai-me empadinhas de boteco e Caeiro, pelo menos de vez em quando. Ainda não me fiz entender? Então é o seguinte: fazer amor, você faz com uma vagina; foder, foder é com a buceta. Escolha aí o que você quer levar pra sua cama (e não me venha com Doritos). Foder é só fazer amor com um pouco mais de sal, pimenta e conhaque. Essa discussão vai longe, mas de qualquer jeito eu já sei que você vai pensar nisso no teu próximo encontro com alguém.

Uma vez eu estava defendendo essa teoria num boteco e uma amiga me falou que eu era um tosco e que fazer amor era muito mais profundo do que foder. “Eu não acho. Eu acho que fazer amor deve ter uns 12 cm de profundidade. Foder tem pelo menos 18”. Ela me mandou tomar no cu, mas depois de um longo debate chegamos a um excelente acordo e quem tomou no cu foi ela. É o que eu chamaria de um incontestável happy end: uma discussão vencida e uma bunda de premiação.

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Eu não sei quanto tempo ela demorou para sair da minha casa ou mesmo se saiu vestida ou não depois que eu a mandei embora. Bom, estou falando de novo sobre aquela tarde. Tanto faz, o importante é que ela entendeu e foi embora. Deu área. Era isso mesmo.

Por que é que eu disse que hesitei? Bom, ela não é uma mulher qualquer, ela não é uma sub qualquer, não é uma escravinha qualquer.

Nem acho que exista nenhum grande segredo na nossa relação. Foi um lance de pele? Os signos? Laços espirituais? Almas gêmeas? Porra nenhuma. Foi uma experiência intelectual, que num determinado momento se desdobra, sem racionalizações ou escalas, para a experiência emocional pura, ilimitada, sem restrições, fronteiras, uiuiuis, mimimis. Do cérebro à genitália em um estalar de dedos: um atalho que muitos passarão a vida toda sem descobrir. Foi assim.

Acho que já está na hora de falar sobre a minha teoria da dominação. Não, nem é minha. Acho que é senso comum, uma pasta de domínio público na grande biblioteca do inconsciente coletivo, algo assim. Acontece que o dominador escraviza, domina, mas ao mesmo tempo se torna escravo de seu domínio, escravo do que ou de quem domina. Dominador e dominado passam então a ser polos de um grande imã que não para de reverter sua polaridade, mantendo a ambos presos na armadilha que um acha que preparou para o outro, quando, na verdade, foi exatamente o contrário, e já não será no momento seguinte. Eterno retorno caos constantemente autorreorganizado.

O dominador oprime o dominado, mas se torna dependente dessa relação de opressão. E todo dependente é, de alguma forma, um dominado. E o objeto da dependência é, de alguma forma, um dominador. Mas é bom que não tenham muita – ou nenhuma – consciência disso. Senão viram observadores de si mesmos, como eu sou grande parte do tempo. Não tente fazer em casa, é coisa para profissionais.

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“No que você tá pensando?” Ela não acreditou muito quando eu disse que era nela. Eu jurei, ela fingiu que acreditou, acho que de qualquer jeito ficou feliz. Felicidade é mesmo feita dessas coisas pequenas, frágeis, não? Bom, eu não discuto felicidade. Meus questionamentos a respeito da felicidade são muito mais concretos: eu queria saber de que cor ela é, qual é o cheiro, o gosto, a textura, o som que ela produz. Faz sentido, não?

“Era mesmo em você que eu tava pensando”. Eu levantei. Pensei que poderia olhar para ela por muito tempo. O corpo nu, branco, o púbis apenas com vestígios de pelos negros, os olhos curiosos e ao mesmo tempo com vergonha. Uma hipótese de sorriso completamente indecisa entre desabrochar ou desaparecer de vez.

“E agora?, fala no que você tá pensando…” o sorriso apareceu, tímido, sem querer virar o centro das atenções. Ela já tinha muita coisa para ser centro de atenção, nem precisava do sorriso, isso é verdade. “Agora, nesse instante, tava pensando em chupar tua buceta”.

Eu já te disse que eu fiz cinema? Já faz um tempo. Então. Tem certas horas em que a vida entra num slow motion automático. Essa era uma. Nenhum detalhe se perde. Ela estava de bruços no instante em que eu respondi, e o sorriso tímido que ela vestia de repente virou um balanço de cabeça e um grande sorriso… não de tesão, de surpresa, acho. Daí tudo começou a acontecer ainda mais lentamente, e ela foi como que rastejando na cama, ainda de bruços, colocou a cabeça no travesseiro, e então começou a se virar e se ajeitar deitada de costas, enquanto suas pernas se dobravam, se abriam e os joelhos subiam, os pés se plantavam na colcha. Eu assisti a esse curta metragem em pé, atento. Só quando já estava pronta, exposta, acomodada é que ela, finalmente, voltou os olhos para os meus. Nós nos olhamos durante uns 120 frames.

Eu comecei com a ponta da língua na virilha esquerda.  Foi assim.

comentários
  1. Dé. disse:

    Melhor a cada cap., então? Adorando, lerei todos.

  2. Ana Onofri disse:

    Adorei! Na medida certa.

  3. gisellezamboni disse:

    uau…

    “Do cérebro à genitália em um estalar de dedos: um atalho que muitos passarão a vida toda sem descobrir. Foi assim.”…

    nunca tive problemas com o tal verbo foder, mas a partir de hoje o compreendo melhor, bem melhor…

    Bárbaro,Edu!

    Ritmo, bem escrito, emocionante e antes de nos dar tudo??!!…deixa pro próximo lance…

    Adorei, vai pro Seres Coletivos!

    Beijos

    Gi

  4. Andrezza disse:

    Muito, muito bom! Você escreve com um ritmo absolutamente contagiante. Não dá vontade de parar. Na medida certa.
    Adorei. Espero o terceiro capítulo! =)
    Abraço,
    Andrezza.

  5. Daniela disse:

    ainda dá tempo de beijar??????????
    que ritmo!!!!
    fantástico!!!! corajoso!!!
    os adjetivos são para os dois…..o texto e você!
    ah!! me enche de orgulho!!!
    quero mais!! não demora……vem depressa………rsrsr
    amo amo amo

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