capítulo 4: DO OUTRO LADO

Publicado: 16 julho 2010 em Uma História Tóxica

Eu conheci o professor Sérgio na universidade. Sempre o achei um visionário, um homem com ideias à frente de seu tempo, não obstante muitos de meus colegas de turma o classificassem simplesmente como um desequilibrado.

Ele parecia ter em sua cabeça, muito mais claramente do que eu, o destino do nosso projeto. Principiamos com encontros mensais, nos quais eu ouvia e tomava notas num bloco. Não nos demoramos muito a perceber que necessitávamos de mais encontros e que as notas no bloco eram insuficientes para acompanhar a sua narrativa rápida, desordenada, entrecortada de reminiscências. Logo começamos a gravar as conversas em vídeo (eram muito mais monólogos do que conversas).

Uma das mais completas e compreensíveis explicações que ele havia dado como definição daquele nosso projeto – muito mais dele do que meu – foi aquela do veleiro. Cada vez ficava mais claro para mim o quanto aquele homem gostava de se expressar através de exemplos, histórias, anedotas, metáforas. Muito embora nossa diferença de idade não fosse tão grande – cerca de 12 anos – e eu nem pudesse passar perto de vê-lo como um velho sábio, não nego  que em muitas noites eu voltei para a minha casa pensando em todas aquelas histórias e desejei, de alguma maneira, viver ou ter vivido a vida do professor Sérgio. Ou simplesmente Sérgio, como ele preferia que eu o chamasse.

Ele era uma pessoa intensa, essa talvez seja a melhor maneira de defini-lo. Mergulhava fundo nas discussões, nas relações, em tudo. Nós tínhamos nossos momentos de pausa e, apesar de eu, particularmente, não tomar bebidas alcoólicas, muitas vezes nosso “descanso” era num bar. Não foram poucas as oportunidades em que ele me apresentou a garçons e donos de botecos, sempre se divertindo e repetindo que ele é que parecia carioca e eu parecia paulista.

Ele demonstrava estranhas manias. Por duas vezes lembro-me de nossa conversa ter se estendido para depois da meia-noite. Em ambas as ocasiões um alarme tocou à meia-noite em ponto, ele interrompeu a conversa, pedindo desculpas, e disse que precisava ler o post novo do blog de uma amiga, que sempre publicava àquela hora. Eu nunca objetei nada, é claro.

Milla foi apresentada a mim numa noite qualquer. Ela parecia ser tão intensa quanto ele, mas mais agitada, mais “elétrica”. Eu jamais a teria imaginado fisicamente, se dependesse dele. Eu nunca havia entendido direito o funcionamento dessa dinâmica: ele seria capaz de descrever em mínimos – algumas vezes até desnecessários – detalhes o sexo oral que ele e ela tinham feito, mas dificilmente me deixava ter o quadro completo dela. Não estava escondendo nada. Era só o jeito dele.

É evidente que, àquela altura, eu já estava contagiado com a opinião que ele mesmo tinha sobre ela, por isso não posso assegurar que minha avaliação tenha sido imparcial. Além disso, eu já tinha ouvido tantas histórias que, de alguma forma, eu já conhecia e sentia algo por ela. Eu voltei para casa, naquela noite, com um pouco de vergonha de mim mesmo. Tenho impressão que agi como se fosse uma criança diante daquele homem que sempre achei tão grande e daquela mulher que há muito vivia passeando pelos meus sonhos. Fui tolo, ingênuo.

A câmera não estava ligada, pois nossa conversa do dia já estava encerrada; por isso, eu tomei notas, depois, das minhas impressões sobre ela. Eu nunca fui o melhor com as mulheres, muito pelo contrário, mas olhar e guardar na cabeça era uma coisa que eu sabia fazer bem.

Ela não tinha mais do que um metro e sessenta sem os saltos (saltos não muito altos, nada exagerado). Não tenho muita certeza do quanto eles possam ter percebido meus olhares, mas eu mal controlo meus olhares perante outras mulheres, imagine em relação a uma cujos detalhes mais íntimos já haviam sido relatados a mim. Eu absolutamente não consegui evitar conferir duas coisas sobre as quais ele falou muitas vezes: ela realmente estava sem soutien, não havia dúvidas, e, muito provavelmente, não usava calcinha também. Os seios eram médios, quase grandes. Ele costumava dizer que não precisavam de soutien, que se sustentavam nos vinte e poucos anos dela.

O bumbum dela, bem, era… “cheinho”. Não. Não sei descrever direito, era arrebitadinho, é isso. Ela não tem quadris muito largos, mas tem um corpo bem atraente. Toda atraente. Quanto a estar ou não de calcinha, eu fiquei com essa dúvida por alguns minutos somente. Não demorou muito e ele a abraçou, ficaram os dois de frente para mim, ele por trás dela. Ela tinha cabelos pretos, pelos ombros, um nariz bonito, pequeno (eu sempre reparo nos narizes), e os olhos verdes daqueles bem claros, aqueles que sem chorar você acha que estão chorando, e que, quando choram você quer declarar seu amor, aos pés dela. Quer dizer, eu acho, nunca tive um relacionamento com uma mulher de olhos verdes. Os dois de frente para mim, ele me fitava com aquela mesma expressão de sorriso de quem sabe tudo contra quem não sabe nada. Eu não devo ter escondido o quanto estava sem graça com aquela situação sem palavras, e, além disso, já o conhecia suficientemente bem para saber que analisar as expressões alheias, sem palavras, era a sua especialidade e fascínio.

Foi ele quem retomou e quebrou o silêncio, segurando-a pela cintura junto a ele, como se quisesse mesmo me mostrar que a estava encoxando e exibindo. Não parou por aí. Pela primeira vez eu conhecia, numa cena real, aquele homem que já havia me contado tantas cenas que me passaram como surreais. Ele disse a ela que eu queria ver, que eu estava curioso para saber se ela realmente me obedecia e ia trabalhar sem nada por baixo. Eu estava, é verdade, mas apenas fiquei corado. Não confirmei e nem neguei.

O que foi mais interessante e sórdido é que ele não levantou a saia dela. Podia tê-lo feito, mas não o fez. Simplesmente mandou – e sim, ele mandava, não pedia – que ela levantasse a saia e me mostrasse. Parece que não havia expressão no rosto dela, então. Não estava surpresa, não tinha raiva, não estava submissa e também não parecia sentir prazer com aquilo. Mas o levantar da saia foi delicado, vagaroso, premeditado. E ela não deixou de olhar nos meus olhos o tempo todo, enquanto exibia o corpo nu embaixo da saia. Ela me olhava sem expressão, mas de alguma forma desafiava que eu demonstrasse alguma expressão. Ela levantou aquela saia com a mão esquerda, e, um pouco depois, com a mão direita levantou a blusa e mostrou os seios. Nenhum dos dois parou de olhar para mim.

Meu nome é Marcus Vinícius mas ele sempre me chamava de Vini. Eu não gosto, parece nome de cantor brega, mas nunca disse nada. Muitas pessoas me chamam assim, afinal.

Eu o odiei naquele instante. Se eu fosse o homem que eu queria ser, se eu fosse o homem que ela queria ter, eu teria salvado a princesa das garras do vilão. Quando eu pedi para usar o banheiro, antes de ir embora, talvez tenham pensado em outra coisa, não sei. Bem que ele tinha dito que ia passar do ponto que eu suportava. O fato é que eu vomitei de nojo daquele homem e da maneira como ele tratava aquela mulher. Só que eu não era o cara. O Sérgio é que era o super-herói dela.

comentários
  1. gisellezamboni disse:

    nossa, essa Milla é intrigante demais…e agora esse cara, esse professor???…quero saber do outro capítulo…

    adorando isso aqui…adorando o modo como escreve Edu…

    “doido”…

    rs

    Beijos

    Giselle Zamboni

  2. […] Publicado: 16 julho 2010 por Edu Ferrari em Uma História Tóxica 1 […]

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